Eu ainda posso escutar meu pai rindo... ouvir suas mãos secas roçando uma contra a outra. Posso sentir sua barba grisalha e malfeita roçando meu rosto. Lembro de cada detalhe, dos pequenos pentes que ele carregava em seu bolso, pra se manter sempre bem arrumadinho. Dos lencinhos que usava. Do barulho indefectível do molho de chaves que carregava. A maneira como tocava a campainha. O jeito todo especial quando me chamava de "Beta". De como gostava de comer goiabada com queijo. De roncar incessantemente enquanto dormia. Dos cabelinhos ralos que ainda lhe restavam. As manchinhas senis espalhadas em seu braço. Lembro de tudo e sonho de vez em quando com ele. Sonho que eu ainda posso abraçá-lo e dizer que o amo. Cheirar seu cangote e chamá-lo de "meu bichinho". Ai meu Deus... essa saudade constante que dilacera...
"Naquela mesa ele sentava sempre
E me dizia sempre o que é viver melhor
Naquela mesa ele contava histórias
Que hoje na memória eu guardo e sei de cor
Naquela mesa ele juntava gente
E contava contente o que fez de manhã
E nos seus olhos era tanto brilho
Que mais que seu filho
Eu fiquei seu fã
Eu não sabia que doía tanto
Uma mesa num canto, uma casa e um jardim
Se eu soubesse o quanto dói a vida
Essa dor tão doída, não doía assim
Agora resta uma mesa na sala
E hoje ninguém mais fala do seu bandolim
Naquela mesa ta faltando ele
E a saudade dele ta doendo em mim
Naquela mesa ta faltando ele
E a saudade dele ta doendo em mim"
Nelson Gonçalves